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22.2.08

Pesadelo

Como cheguei tarde de manhã no trabalho porque estava na loja me entupindo de roupas, resolvi que ia ficar até mais tarde.
Deu 18 hs e todo mundo "vamos embora!" e eu "não, vou ficar mais um pouquinho" toda cheia de ética.
Só que era 18h15 já não tinha mais ninguém aqui. Como eu não tinha nada para fazer mesmo, resolvi que não ia ficar sozinha, outro dia faço essa compensação. Cheguei na Luz, esperei uns 10 minutos e o trem veio.

Mal sabia eu que ao pisar naquele vagão estava só começando o pesadelo pelo qual passei ontem.

Todos os dias quando estou no trem ou na escada rolante da estação me vem o pensamento de que aquilo é a visão do inferno. Todos os dias passo pelo ensaio para ir ao inferno. Mas apesar de tudo, eu ainda estava equivocada quanto a estar num inferno.

Às 18h30 e eu estava lá dentro, como sempre peguei meu livro e comecei a ler enquanto andava. depois de uma meia hora, eu olhei para fora para ver onde estava e percebi que estávamos no Brás. (!!!). Continuei lendo. Mais meia hora e ainda tava lá. Tirei o fone do ouvido, o maquinista falando que aquela 'composição' só ia até São Caetano. Uma antes da estação da faculdade. Putz, pensei "vou chegar atrasada" na aula. Ainda não fui de quinta pra aula este ano.
Mas quando estava chegando em Tamanduateí o bicho parou de novo. E o maquinista não me fala que vai voltar porque tava tudo cheio?? Mas ele não conseguiu voltar e o trem ficou parado entre Ipiranga e Tamanduateí.

Olhei na janela. As alucinações começaram, porque eu vi uma correnteza marrom do lado do vagão e imaginei estar numa escuna no rio Amazonas.
21 hs. Esqueci que a faculdade existia.

Liguei para minha mãe para avisar que não tinha hora para chegar, para ela não criar expectativas...

Só achei incrível como as pessoas riam e brincavam naquela situação. Parecia uma excursão escolar. O brasileiro tem essa mania de mesmo quando está fudido, no fundo do poço, ainda consegue rir da situação. Ou rir para não chorar.
Um homem me deu o lugar. Não estava mais sentindo meus pés e minhas pernas de ficar em pé por 3 horas.
Eu não conseguia rir das piadas. Eram dez horas da noite e eu estava dentro de um trem, lotado, com um rio em volta, sem idéia de quando aquilo ia terminar. E minha sacolinha de roupas novas lá, comigo, firme.

A menina do meu lado desmaia. Pânico. Todo mundo naquele alvoroço para socorrer a menina. Aí...olha...aí me bateu "o" desespero. 1 hora depois e os bombeiros chegam e começam a entrar nos vagões. Viam quem estavam passando mal e iam embora. E a gente com aquela cara de interrogação pra eles. E eles com cara de reticência para nós...
Minha mãe e meu irmão me ligavam de cinco em cinco minutos. Meia noite. Desabei a chorar. Queria fechar os olhos e sumir.

Meia noite e quarenta, o maquinista avisa que podemos sair pelas portas e andar pelos trilhos já que as pedras já estavam aparentes. Os bombeiros iam guiando.
Resolvi que pelo menos ia estar em movimento, não ia esperar o guincho do trem...me apoiei num homem que me ajudou a descer e taquei o pé na água. Lá se vai minha sapatilha Campana no limbo.
Fui andando pelo trilho até Tamanduateí, a canela toda molhada, e eu e minha sacola sendo puxadas para cima da estação por outro homem. O bom é que as pessoas são muito solidárias nestas situações. Vi demonstrações de solidariedade a todo instante, entre desconhecidos. Isto era um conforto. Sempre tinha alguém disposto a dar a mão, emprestar o celular, dar uma garrafa de água... Fui andando pelos trilhos com o pensamento fixo de que estava próximo do fim.
Quando cheguei na estação pensei que tinha acabado, que meu irmão ia poder me levar pra casa sem problemas. Mas na saída, era só água marrom. Mas o desespero de ir para casa era tanto, que não pensei duas vezes em ir em frente. Me agarrei numa grade e fui fazendo 'arborismo' até a rua. Era praticamente Survivors.
Ergui a calça e fui no meio do lamaçal até o estacionamento do Central Plaza Shopping, e continuei no lamaçal até a Av. dos Estados. Onde, enfim, encontrei meu irmão me esperando.

Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Nunca, jamais, pensei numa situação destas. Eram duas e meia da manhã e eu chegando em casa do trabalho...toda suja de lama, um cansaço sobrenatural, morrendo de fome, não tinha forças nem pra falar. Você repensa em tudo o que fez para poder estar ali... fica se peguntando "por que" toda hora, porque era muito castigo.
Penso nas pessoas que estavam simplesmente deitadas no chão da estação porque moravam ainda mais longe do que eu e não tinham idéia de como ir embora. Nas pessoas que, no caminho na Av. dos Estados, tinham seus carros jogados pela enxurrada, cobertos de lama. E nas pessoas tentando retirar o que sobrou de suas casas. "Caos" é pouco para resumir o que foi ontem.

E hoje, acordo com uma puta dor de cabeça e tenho que pegar a merda do trem de novo... =(

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